O tempo rouba a minha vontade.
As lágrimas secam antes de cairem. O vazio tomba no meu coração.
As memórias ecoam sem sentido, o meu olhar cai na sua escuridão.
A noite chegava apressada, o mundo aclamava o seu nome. Na euforia da noite as estrelas choravam o pó da morte, que lentamente sufocava o seu corpo estendido na cama.
Eu estava presa à inutilidade, a uma vontade de agir sem poder. Raiva. Tristeza. Solidão. Impotência.
E os dias passavam... E as semanas decorriam... E tudo piorava.
O cheiro doentio da morte inundava o seu quarto. Nem a luz conseguia iluminar o seu destino. De noite ouvia os gemidos, a dor consumia a sua alma como lâminas ardentes, eu tapava os ouvidos, encolhia-me, enrolava-me nos lençóis, acreditando que naquele meu mundo a morte era apenas um mito e que todos os maus dias se desvanesceriam com a brisa do amanhecer. E lentamente a melodia aproximava-se e o meu corpo desligava-se abatendo-se num sonho ainda desconhecido.
O novo dia erguia-se deixando a cinza da noite pelo chão. Abri a porta e saí para a rua, os meus pés descalços caminharam sem cessar, o meu corpo tremia com o vento...Inspirei tentando acreditar, os meus pés descalços continuaram sem parar...
"Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!
E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!"
Florbela Espanca